TRAÇANDO UMA DIREÇÃO
- Alan Donizete
- 7 de abr. de 2016
- 4 min de leitura

Entre o sol quente de São Paulo e o quase milagroso dia de folga que me deram do meu mais novo emprego como funcionária numa rede de supermercados, eu decidi que precisava ligar pra uma velha amiga e perguntar se ela poderia vir me encontrar. Precisava muito dividir os pensamentos com alguém (...). Quase quinze minutos depois aqui estava ela, como uma boa e fiel amiga. Começamos a conversar e, papo vai, papo vem, comecei a por pra fora tudo o que estava entalado durante esses últimos anos. São tantas coisas ruins que estavam acontecendo ao mesmo tempo. Cada perrengue!
Os minutos foram passando e na intensidade da conversa eu nem me dei conta de que deixei a água fervendo no bule que estava no fogo pra preparar um chá. Quando vi quase toda a água já tinha evaporado. Mas tudo bem, isso não era nada comparado com as coisas que estavam me acontecendo ultimamente. Comecei então a contar sobre o meu trabalho, que era o que mais estava me incomodando.
– Meu chefe é terrível. Ele me sufoca, você mal pode imaginar. Ele me faz trabalhar tanto, às vezes até além do meu horário de expediente (como garantia de uma renda extra que eu nunca vejo entrando). Você acredita? Parece até que ele não foi com a minha cara por alguma razão e quer descontar pegando pesado. E, sabe, eu não tenho o que fazer. Ele me faz ameaças de me despedir se eu não cumprir com todas as tarefas. E de uma coisa eu sei: eu não posso perder meu emprego. Foi tão difícil conseguir um. Mas, sabe, não foi isso que eu imaginei quando vim tentar a sorte aqui em São Paulo. Não é o que eu quero pra mim. Os meus sonhos vão muito além disso. Um dia eu pretendo ser uma cantora famosa. É o meu maior sonho! Foi pra isso que eu vim até aqui, mas, você sabe, temos sempre que começar de baixo. Só sei que nunca vou deixar de lado esse sonho, nem todos os outros simplesmente porque agora está sendo difícil demais. Você me entende?
Eu quero ser alguém.
Consegue imaginar Madonna sendo subordinada a todo instante a fazer isso, a fazer aquilo, sem sequer ter a opção de escolha?
– Mas, amiga, eu não entendo. Juro que não entendo. Você tem escolha! Você pode desistir se está se sentindo tão mal assim. Está com vinte e dois anos, ainda pode voltar pra casa dos seus pais, ou mesmo tentar a vida lá na cidade de onde saiu que não vai ter problema algum.
– Não! Eu não posso... Não posso mesmo! E além do mais, só vou receber meu salário daqui quatorze dias. Tenho minhas contas pra pagar. Meu aluguel, que já está atrasado por sinal. Nesse momento não tenho dinheiro nem pra voltar de onde eu sai. Mas está tudo certo, fui eu quem escolheu isso pra mim. Eu sei que vai melhorar. Além disso, eu levei anos pra poder estar aqui hoje... Não posso simplesmente dar pra trás agora.
Espera um pouco, deixa eu te mostrar uma coisa... Olha, está vendo esse mapa?
– Sim, estou vendo! Pra que serve? E esse traço sobre ele, o que é?
– Esse é o mapa que trouxe comigo quando eu vim pra cá. E esse traço é a direção da minha vida... Um dia ele será a minha história. A história da minha vida! Dê uma olhada. Vê onde o traço começa? É a cidadezinha onde nasci. Onde nada acontecia. Por isso eu decidi que precisava me mudar. Foi aí que então eu cheguei até aqui... Olha, é São Paulo! Sempre achei que este seria o lugar onde as coisas aconteceriam pra mim. Bem, eu ainda estou tentando pra que realmente aconteçam... Trabalhando, me esforçando, dando duro naquele emprego e tentando lidar com esse vai e vem que é a correria da cidade grande. Mas você já percebeu, né?!
Está vendo a continuação desse traço?
– Sim! É o seu próximo destino?
– Não! Quero dizer, sim! Mas não é para onde eu vou. Mas para onde eu irei chegar. Deu pra entender?
– Mais ou menos. Como assim?
– Ora! Muito além de onde eu já estou! Bem, foi assim que eu tracei a minha direção.
– Direção?
– É claro, amiga! Se você não tiver uma direção, você só anda em círculos.
Olha outra vez o mapa. Viu? Por aqui dá para ver como a minha direção é reta: cidadezinha do interior, onde nasci e de onde comecei, até aqui onde estamos agora. São Paulo. Aonde eu vim pra arriscar tudo. É tudo ou nada, amiga! O que eu teria mesmo a perder? Eu acho que perderia muito mais se eu nem sequer tentasse. Mas, olha, quanto a esse último traço, é pra onde eu irei chegar.
– E onde você vai chegar, amiga?
– Nos sonhos! Nos meus sonhos realizados, oras! A direção é uma só: reta e certeira. Vê? Da cidadezinha do interior para os meus sonhos. Os mesmos sonhos que eu já estou em busca!
– E o que acontece quando eles se realizarem?
– Ora, acontece o que de melhor poderia acontecer quando qualquer pessoa realiza um sonho: você encontra o sentido da sua vida! Quando você realiza um sonho que parecia estar muito distante, você descobre que foi só preciso uma direção definida pra ir em busca dele.
Percebe, amiga? Assim eu tracei a minha. E você, já traçou a sua?
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